'O Agente Secreto' mostra 'microcosmo de escapismo e paranoia', diz crítico

Segundo o jornalista Lucas Pistilli, novo filme de Kléber Mendonça Filho retrata 'um país ainda assombrado por sua história'

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Wagner Moura em Cannes
Wagner Moura em Cannes

No Recife de 1977, os destinos de uma perna ambulante e de um perseguido político se cruzam em um Carnaval inesquecível. Claro que aqui, "inesquecível” é uma maneira de dizer: "O Agente Secreto", novo filme de Kléber Mendonça Filho que contém esses elementos, confronta a supressão de informações do anos da ditadura brasileira, quando esquecer era a palavra de ordem, e comenta sobre um país ainda assombrado por sua história.

O longa - exibido no Festival de Londres após levar os prêmios de Melhor Ator e Melhor Diretor no Festival de Cannes, onde estreou - faz isso através de Armando (Wagner Moura), um professor cujo trabalho acadêmico coloca um preço em sua cabeça. Refugiado na capital pernambucana, ele espera a chance de sair do país enquanto se esconde, entre os foliões, de assassinos em seu encalço.

Na superfície, a produção bebe livremente das convenções do thriller político - uma associação que sua estética, trama principal e ambientação setentista ajudam a reforçar. Porém, o longa de Mendonça Filho é tão tematicamente rico ao mostrar esse microcosmo de escapismo e paranoia que ele também brinca com comédia e terror durante os 158 minutos de projeção, servindo como uma carta de amor não só ao Recife mas como ao cinema de gênero como um todo.

No entanto, a “pirraça” - para parafrasear o filme - que o cineasta traz para esse material não obscurece a natureza sombria dos questionamentos que norteiam o roteiro de sua autoria. Ousadamente passando os militares do papel de vilões principais para secundários, ele destaca o papel de uma elite que se beneficiava diretamente da violência do regime militar.

No ínterim, tramas paralelas (e este é um longa que brilha nelas) lhe dão a oportunidade de perguntar, em meio ao caos, que histórias serão contadas e quem terá a chance de contá-las. A produção é cheia de personagens carregando versões de suas histórias e lutando contra outras. O medo da perda dessas memórias (algo tão inerente ao senso de identidade) permeia a vida dessas pessoas muito mais do que a consciência de que há algozes à espreita delas.

Essa preocupação com a memória alinha “O Agente Secreto” com outros do cineasta, mas ele a apresenta aqui numa versão mais direta, enérgica e melancólica. Em seu cerne, há uma inquietação diante do esquecimento nacional da democracia e dos seus cidadãos enquanto o Carnaval segue pela rua. A perna ambulante continua solta. Tem gente que jura que a viu.

Por Lucas Pistilli